Um olhar interior...

Terça-feira, 22 de Dezembro de 2009

Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida verdade, o Sentimento!
-- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
-- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

                            Florbela Espanca

publicado por AIMSF às 13:24
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Segunda-feira, 2 de Novembro de 2009

 

 

A noite desce...

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite voi descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minhalma
Beijando nesta hora a minha boca!
 

 

Florbela Espanca

 

publicado por AIMSF às 15:57
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Quarta-feira, 9 de Setembro de 2009

Não Ser

 

Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

 


 

publicado por AIMSF às 11:06
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Domingo, 9 de Agosto de 2009

como uma onda do marDoce Certeza

 

 

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer...

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!...

Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que são meus versos!...

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

publicado por AIMSF às 00:58
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Terça-feira, 7 de Julho de 2009

 

 

Dize-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.

Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!

Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,

Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

publicado por AIMSF às 15:32
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